Uma experiencia diferente

A porta abriu e só pude correr com receio de perder o ônibus que me levaria para casa depois de um dia cansativo, deixei a porta e sai andando rapidamente pela beirada da calçada, virei a direita quase correndo e se não fosse por um reflexo teria dado de cara com um homem, caído no chão e com toda certeza perdido meu precioso tempo, sim, em São Paulo tempo é tudo. Atravessei a rua para chegar a calçada que tanto almejei, olhei para o final do terminal onde o ônibus para e o espaço estava vazio, respirei fundo por não te-lo perdido. Ao lado direito do terminal fica algumas lojinhas que vendem comidas, não podia deixar que meu estomago continuasse a roncar, então fui até uma que vendia muitos salgadinhos. Ruffles. Doritos. Sensações. Fofura. Fofura... é esse que quero, meu salgadinho de infância, tirei meu fone do ouvido, estava alto e não poderia conversar civilizadamente com a vendedora. Segundo minha amiga terei problemas auditivos no futuro.

-Boa noite. Quanto custa do fofura? - perguntei enquanto mexia na bolsa a procura da minha carteira vermelha e desgastada.

-Dois. - respondeu não dando muita atenção, estou acostumada, em São Paulo o mau humor está intrínseco em  cada um, na verdade é preciso cuidado para não se contaminar com a negatividade. Sorri, queria ser amigável, estendi minha mão com as duas moedas de um real.

-Qual sabor você quer? - "PRESUNTO!" gritei mentalmente, como eu amava esse salgadinho, comia enquanto assistia pela décima primeira vez meu VHS favorito, Tarzan.

-Presunto. - ela sumiu dentro da cabine a procura do meu fofura, levantou com a embalagem azul e entregou-me - Ah, você poderia coloca-lo numa sacolinha? - ela acenou positivamente o colocou na sacola entregando-me finalmente. Sorri, coloquei meus fones no ouvido novamente e a musica alta invadiu meu ser. Virei meu corpo rumo ao ponto.

-...dinheiro... - Um sussurro apareceu em minha mente, percebi que alguém estava atras de mim, tirei o fone para escutar o que se passa no mundo externo, virei-me. Olhos tão profundos e tristes me fisgaram, era uma garota, com, aparentemente, 13 anos, usava roupas pequenas para sua idade, tinha pele morena, cabelos armados com a falta de cuidado. Mas, o que mais me afetou foi aquele olhar, triste, provador, esperando desesperadamente por uma moeda para entregar, provavelmente, a mãe que se escondia em algum lugar no terminal. Não foi preciso que ela repetisse o que havia me pedido, aqui nessa cidade grande, bonita, rica, esmola é algo comum, crianças sustentando suas mães... mais comum ainda. Fiquei sem responder por um tempo, enquanto pensava no que fazer para traz uma luz aquele olhar perdido.

-Você quer que eu te compre algo? - perguntei sinceramente e vi seu rosto mudar, uma mistura de felicidade com decepção, talvez ela realmente precisasse do dinheiro, mas então ela sorriu e balançou a cabeça positivamente. - O que você quer? Salgadinho? - pelo sorriso pareceu gostar da opção. - Pode escolher. - ela pensou bastante.


-Doritos! - finalmente escolheu, pensei que seria algo mais comum, mas a garotinha era exigente, ri um pouco do meu pensamento idiota.


-Quanto custa o doritos moça? - perguntei enquanto abria minha bolsa, por um instante, olhei para a menina para ter certeza de que ela não me espionava para ver quanto tinha em minha carteira, infelizmente isso é comum, ser assaltado quando tenta ajudar alguém, mas ela estava quietinha a espera de seu doritos. Meu coração apertou por ter pensado dessa forma, no que a vida me transformou? Duvidei de uma criança... uma criança que apesar de seus problemas não está fazendo mal a ninguém. Não pude deixar de sentir-me derrotada por mim mesma. Paguei o doritos e a entreguei, olhei-a mais uma vez.

-Obrigada. - saiu apressada, e mesmo que seu agradecimento tenha sido pronunciado baixo eu senti sinceridade.


-Foi a melhor coisa que você poderia ter feito. - a moça da loja finalmente falou mais de uma palavra, ela sorriu, pareceu gostar da minha atitude e saber que não seria a garota a beneficiar-se com o dinheiro que entregaria em suas mãos.


-Com certeza - sorri também e sai a caminho do ponto, mais a frente, no meio do trajeto a garota estava lá, com mais duas meninas, aparentemente irmãs, igualmente sujas e com roupas pequenas, dividindo seu doritos. Aquela cena me fez sentir feliz novamente, ela estava compartilhando o pequeno saco de 50 g, nesse momento desejei ter pagado mais caro por um pacote de 100 g ou mais. Eu passei sorrindo e acho que ela entendeu o porque.


-Obrigada! - era a voz da pequena garota novamente, parecia mais feliz.


-Obrigada! - esse era o coro das supostas irmãs, pareciam felizes também.


-Não foi nada. - Olhei para trás sorrindo, como gosto de fazer para demonstrar o que sinto e segui até a fila do ônibus.


O caminho todo até minha casa eu fiquei pensando no quanto essas crianças perdem de sua infância. Será que elas comem o salgadinho que desejam frequentemente? Será que fazem o que querem fazer quase sempre, ou no minimo as vezes? Então relembrei do meu antigo sonho, o de construir um orfanato com infraestrutura, grande o suficiente para suportar muitas crianças, quero num futuro próximo poder ajuda-las, quero mesmo.



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